quarta-feira, 6 de maio de 2009

As relações escondidas de Salazar com as famílias mais ricas - 1

TEXTO E FOTOS DA REVISTA SÁBADO DE 29 DE ABRIL DE 2009

SALAZAR, 0 PRESIDENTE DO CONSELHO E AS FAMÍLIAS ESPÍRITO SANTO, MELLO E CHAMPALIMAUD

AS LIGAÇÕES DESCONHECIDAS AOS MILIONÁRIOSAs cartas escritas ao ditador pelos homens mais ricos desvendam um universo que envolve espionagem, negócios com diamantes e trocas de favores. Histórias fantásticas reveladas na semana em que passam 120 anos do nascimento de Salazar. Por PEDRO JORGE CASTRO
Nos anos 30 e 40 era conhecido na alta sociedade como “o Príncipe”. Ricardo Espírito Santo teve tudo: uma grande família (dois irmãos a trabalhar consigo e quatro filhas); muitas vitórias (foi campeão de boxe, esgrima e golfe e ficou em segundo lugar num torneio mundial de bridge); bom gosto (foi um grande coleccionador e doou 1300 obras de arte ao Estado); e dinheiro e poder, claro – liderou o maior banco português, a empresa petrolífera SACOR e a seguradora Tranquilidade, entre outros negócios. Teve tanta ou mais influência no País do que tem hoje o seu neto e actual presidente do BES, Ricardo Salgado.Com uma vida tão cheia, parece espantoso que o ponto alto da sua rotina fosse o convívio que todos os domingos mantinha com Salazar. Em 1951, para mostrar a tristeza que sentiu quando o ditador cancelou um encontro, desabafou por carta: “Tenho muita pena de não ir aí hoje, a nossa conversa dominical é para mim o maior prazer da semana.”
Não foi um exagero retórico. Três anos depois, em 1954, enquanto Ricardo Espírito Santo acompanhava o Presidente da República, Craveiro Lopes, numa viagem de barco a Angola e São Tomé, enviou sete telegramas ao presidente do Conselho. O último foi o mais sentimental: “Neste sétimo domingo seguido da viagem (…) vou mais contente a pensar que se os deuses nos forem propícios estarei aí no próximo domingo e poderei matar as saudades que já pesam no meu coração. “Salazar anotou a azul: “Saber quando chega o barco.” E um funcionário respondeu a lápis: “Chega domingo dia 11 ao meio-dia.”

A cumplicidade é evidente ao longo das 231 folhas da correspondência enviada pelo banqueiro ao ditador, que a SÁBADO leu no Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Logo na primeira carta, escrita em 1939 numa folha em que riscou o logótipo do banco para anotar que era “particular”, Ricardo Espírito Santo assumiu a sua “devoção e incondicional dedicação” e elogiou o mais recente discurso de Salazar. “Génio tão admirável, o vosso, que consegue no voo sublime o milagre de manter o equilíbrio puro da inteligência.”

RICARDO

ESPÍRITO

SANTO

________

SALAZAR AGRADECEU PRENDA

Esta é a única imagem do ditador com o banqueiro, que, nesta carta de 1953, retribui as palavras de Salazar depois de lhe ter dado um tapete persa

Além da bajulação, há várias referências a negócios, sobretudo de petróleo, alertas para o efeito de certas leis no mercado e pedidos de reuniões urgentes, muitas para o próprio dia, para acertar estratégias negociais.É ainda de Ricardo Espírito Santo a responsabilidade pelo contacto mais misterioso que aparece nas agendas de bolso de Salazar entre 1952 e 1954. É uma morada de Nova Iorque, de Harry Winston, identificado como “homem dos diamantes”.O ditador estava descontente com o grupo sul-africano De Beers, que explorava os diamantes de Angola e pagava em libras. Salazar queria receber em dólares para equilibrar as finanças do Estado e Ricardo Espírito Santo achou que era uma boa altura para envolver o empresário americano. Harry Winston voou para Lisboa e citou o banqueiro na primeira carta que escreveu a Salazar, onde tentou aliciá-lo com os valores do negócio: 30 a 40 milhões de dólares a curto prazo para o Estado português.Estranhamente, Salazar respondeu que não o poderia receber por estar sem voz. Mas segundo o livro A Invenção dos Diamantes, do jornalista americano Edward Jay Epstein, o empresário acabaria por receber um ultimato do governo para deixar Lisboa em 48 horas. O governo britânico interveio em defesa do grupo De Beers, ameaçou bloquear as importações de vinho do Porto e a força do mercado britânico levou o ditador a ceder.Mas o mais surpreendente nas cartas de Ricardo Espírito Santo ao longo de 15 anos talvez tenha sido a intervenção no universo da espionagem. A 30 de Dezembro de 1944, já perto do fim da Segunda Guerra Mundial, o banqueiro desejou feliz ano novo a Salazar com uma mensagem misteriosa: “Cumprindo as ordens de Vossa Excelência, junto remeto uma nota com o nome da pessoa que está ausente na sua pátria e cujo regresso conviria impedir. “Um pequeno envelope à parte contém um cartão com o nome “Nassenstein”, escrito a azul, em maiúsculas e sublinhado.Cecil Nassenstein era um agente alemão da Gestapo, colocado em Lisboa para vigiar os espiões americanos e ingleses, e que nesse Natal tinha ido a Berlim, contou à SÁBADO a neta, Stéphanie Nassenstein. Dessa vez conseguiu reentrar em Portugal. Mas em 1947 foi apanhado pela PIDE numa casa da Av. António Augusto Aguiar, em Lisboa. Estava armado, e ao lado de um agente que se suicidou com cianeto antes de ser preso.A CARTA DE RICARDO Espírito Santo não foi um acaso. Em Abril de 1945, o banqueiro enviou a Salazar quatro relatórios secretos sobre “o problema alemão em Portugal após a guerra”, onde se desvenda a presença de 10 agentes da Gestapo no País, que poderiam liderar um movimento clandestino. Os documentos revelam também os planos alemães para organizar a resistência no pós-guerra.No livro Judeus em Portugal durante a II Guerra Mundial, Irene Pimentel escreve que o banqueiro era um germanófilo: “O M16 considerava holy ghost (espírito santo em inglês) um agente alemão.” E há registo de um telegrama do embaixador alemão em Madrid enviado ao seu governo que refere o banqueiro português como confidente dos alemães.

OS HOMENS QUE MANDAVAM EM PORTUGAL

Durante os 40 anos de Salazar no poder, o número e o nome dos grandes patrões do País manteve-se estável: a família Mellocom o grupo CUF - navegação marítima e aérea, tabaco, seguros, banca e adubos; a família Espírito Santo com a banca, petróleo e seguros; Champalimaud com os cimentos, a siderurgia e a banca; Manuel Queiroz Pereira e Manuel Boullosa sócios da SONAP (Petróleos) e com particapação na banca

clic na imagem para ampliar

Continua

Sem comentários: