sexta-feira, 26 de setembro de 2008
"SENHOR, PAGUE-ME UMA SOPA"
“Senhor, pague-me uma sopa”, foi a frase que há dias me escarafunchou as tripas, provocou-me mesmo falta de ar, tal foi a raiva que de mim se apossou.
Alguém entenderá se eu disser que me apeteceu chorar e bater-lhe (à pedinte) ao mesmo tempo?
Primeiro porque quem me fazia tal pedido o fazia em voz muito alta quase berrando, porque era mulher e toxicodependente, depois porque me propus pagar-lhe a tal sopa no restaurante que estava mesmo à nossa frente mas ela respondeu que ali não serviam, tinha de ir a outro mais abaixo, claro que não queria sopa nenhuma, queria dinheiro para mais um chuto, e mal viro a esquina da rua, outra, embora mais recatada.
Eu costumo dizer que da minha idade, o meio onde fui criado, os amigos que tinha, a circunstância de ter saído de casa dos meus progenitores ainda muito novo, entre outros factores, sou um abençoado por nunca me ter deixado agarrar pelo vício da droga, eu sou da geração em que se pergunta muitas vezes por um amigo assim: “o fulano? Ainda não morreu?”.
Não sei se o actual presidente da câmara do Porto tem ou não responsabilidades no facto de ter crescido o numero de pedintes que se vê a olho nu que pedem para poderem comprar a dose, se tem ou não, não interessa, que aumentou muito a pedinchice, creio que ninguém o pode negar.
O restaurante em cujas redondezas tudo se passou chama-se “Convívio”, e por acaso no mesmo local da ocorrência acima relatada, tinha encontrado nesse mesmo dia o Padre Jardim presidente da Rede Europeia Antipobreza e tínhamos estado a falar precisamente no proliferar dos sem-abrigo na cidade do Porto.
Disse-me o padre Jardim Moreira que os sem abrigo, os que dormem aí pelos portais, ao relento, em vãos de escada, são eles mesmos que optam por essa forma de vida. “As estruturas de apoio existentes cobrem as necessidades, os que não as utilizam são aqueles que se recusam a cumprir as normas, pois se tomarem banho como se exige a quem frequenta os albergues, ao outro dia já não estão caracterizados para mendigar”.
Sou do tempo em que quem andasse a pedir pagava os famosos oitenta com uma coroa, e que quando um mendigo pedia uma sopa queria mesmo o caldo para matar a fome.
Não sei se alguém passou por isso, eu recordo-me como se fosse hoje, em casa de meus pais, morávamos nessa altura numa casa à face da rua lá para os lados da Praça da Alegria, era eu ainda muito miúdo, ao Sábado, antes de nós almoçarmos havia uma senhora que entrava para a nossa cozinha para comer uma sopa, pão e um copo de vinho, não sei onde comia durante a semana, ao Sábado era lá, na nossa cozinha.
Fui ensinado a ajudar, dar pouco, porque senão não ganhamos para solidariedade, mas auxiliar sempre que se pode, com o raio deste mundo da droga, estou a tornar-me irascível, violento até, porque vejo o fenómeno a crescer, porque sei que há quem viva à custa da desgraça alheia, e não vejo ninguém mexer-se realmente, dão “jeitinhos ao corpo” para que se não diga que estão parados, que não fazem nada.
Almocei ontem com amigos que fazendo parte do mundo da investigação criminal não têm problema nenhum em afirmar que dentro da organização a que pertencem “há muitos corruptos”, dizem muito mais em desabono, não da corporação, mas das chefias. “Já sabemos que quando lá chegamos eles já têm conhecimento que fomos para lá”, dizia um desses meus amigos referindo-se às rusgas policiais relacionadas com droga.
Nunca fui muito tolerante com a toxicodependência porque todos aqueles que conhecia bem que enveredaram por esse mundo o fizeram porque era moda e não admitiam que lhes chamassem caretas.
Tenho ultimamente conversado muito sobre o tema, conversas que se por um lado me levam a mudar um pouco a minha maneira de ver o fenómeno, mantêm em mim sempre muito acesa a questão e pensar muitas vezes “então? Ninguém faz nada?”. vão continuar a deixar que as nossas crianças de hoje venham a ser os nossos toxicodependentes de amanhã?
Que esperam para promover sessões de esclarecimento sobre o mundo da droga nas escolas primárias? Vai ser como com a educação sexual?
(foto retirada da net "Olhares-Fotografia On-line" e está legendada assim "mesmo quando ninguem nos quer como amigos, o sempre fiel cao nao avalia os bens materiais mas sim o afecto de quem lhe é mais proximo, o seu dono !!!")
Zé Porto
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2 comentários:
Meu caro amugo acompanho-te nesta luta.Mas o Convívio não fica próximo da casa do "Rio"? Que tal da próxima vez, dizeres à toxicodependente para bater à porta de sua excelência?
Também sou do tempo dos 80 mil e coro e dos 16 mil e coroa.
Um abraço
Sabes Dragão?
Antes de aparecer essa merda a que chamam droga até os desgraçados ainda mantinham alguma graça.
Abraço.
Zé Porto, cada vez mais descontente!
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