segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

BOLAS, MEIAS DE VIDRO E BEXIGAS

A rapaziada da cidade, estou a falar-vos por volta de 1960, não tinha grandes problemas em “desenrascar” uma bola de trapos, bastava saber-se onde havia um atelier de costura ou um alfaiate, e para que a bola ficasse mais redonda, “namorar” uma daquelas senhoras que havia pelos portais da cidade do Porto com uma espécie de copo e um aparelho que parecia a broca dos dentistas. Nunca soube se a profissão delas tinha nome, sempre as conheci por, senhoras das malhas, e sabia onde havia várias, havia uma à entrada da rua do Sol, ali junto onde era o Governo Civil, como eu morava perto, quando me tocava a mim desenrascar a bola ela tinha de me aturar uns dez a 15 minutos de pedinchice, mas lá acabava por me arranjar uma meia, ainda não se usavam a meias calça. As peúgas de homem davam bolas pequenas, as de mulher cediam mais, davam para um maior enchimento, depois era só moldar os trapos, às vezes até papeis misturados, e metendo na meia, dando uma torcidela, compactar bem, e voltava a passar-se a meia em sentido contrário para nova torcidela, repetia-se a operação até não dar ara mais idas e voltas do “recheio”, para finalizar, um nó bem cego, e uma leve chama de fósforo só para tirar o excesso, mas tina de ter-se muito cuidado porque o nylon quase desaparecia. Se alguém tivesse arte para pedir uma câmara-de-ar de bicicleta ao senhor Agostinho (o garageiro), o homem que arranjava as bicicletas da zona, cortava-se longitudinalmente ao ponto de ficar uma só tira que depois se enrolava na bola, cruzando e entrecruzando até chegar à ponta que tinha de ser esticada até à ponta inicial que já tinha ficado debaixo daquelas voltas todas. Um certo dia o bate-sola (filho do sapateiro) das Fontainhas apareceu com meia lata de cola de solução (cola contacto), dizia ele “fazemos a bola, depois cobrimo-la toda de solução, ides ver, nunca mais acaba”. Deu-se as voltas todas do costume ao “projecto” de bola, e no fim, foi só espalhar solução por toda. E dizia o bate sola “agora é só esperar que seque, ides ver a bola que vai ficar”… E vimos realmente, mas foi a cola a comer o nylon da meia e tudo a desfazer-se, nesse dia o bate sola levou o cachaço bem quente por causa das invenções. Chegamos a fazer bolas espectaculares, as melhores eram feitas com aquelas meias de lã grossa feitas à mão, como as dos lavradores, e davam sempre para duas bolas, porque quando apareciam era sempre em desespero de causa, não se conseguia arranjar trapos, nem meias de vidro, mas como a partida estava marcada, tinha de haver jogo. Um “ana ina não”, ou outra mais complicada, acabaria por descobrir o Cristo que tinha que desencantar as meias, não me recordo de alguma vez alguém se ter posto de fora. Encontrada a vítima, a primeira reacção dele era olhar para os estendais mais próximos, dava por ali umas voltas e em último caso, ia roubar uma a casa, roubava o par. Do tipo, começa aos 6 acaba aos 12, nunca sem antes haver “borbulha” na escolha das equipas, fizemos centenas de quilómetros e valentes partidas de futebol. O “estádio” mais próximo era o Terreiro da Sé do Porto, mas rondava sempre por lá um arrumador daqueles de chapa no boné, que mesmo de muletas parecia ter lume no andar, e passados minutos estávamos cercados pela polícia. O Terreiro da Igreja de Santa Clara, mesmo ao lado do aljube, se não se fizesse muito alarido e não passasse nenhum bufo, também dava. A Alameda das Fontainhas, muito perto casa do Santos Júnior (antigo comandante da PSP do Porto), dava, se não passasse o Nívea (carocha da polícia) que rondava constantemente a casa do comandante. O mais seguro, mas também o mais perigoso, era o do seminário, nas traseiras do cemitério do Prado do Repouso ao lado do Colégio dos Órfãos, aí, quase não havia o perigo de aparecer a bófia, mas a bola ia muitas vezes parar à linha do comboio, por diversas vezes nos assustamos quando tentávamos recuperá-la. Seguro seguro, era o ringue de hóquei do Areínho de Oliveira do Douro, e se de Inverno nos dava muitas vezes para descer as Escadas dos Guindais ou Codeçal, atravessar o tabuleiro inferior da Ponte de D. Luís, virar para a Calçada da Serra e depois ir sempre em frente, passando pela capela do Senhor D’Além, pela Praia do Aurélio e do Borras, por debaixo da Ponte de D. Maria (já do lado de Gaia), pela praia de S. Salvador, pelo estaleiro (onde hoje é a quinta de S. Salvador que até tem cavalos e dois barcos hotel), depois eram mais uns quinhentos metros e tínhamos o ringue de hóquei para jogar, se não estivesse ocupado, se estivesse, jogávamos na areia. Pelo Verão fazíamos outro trajecto para chegar ao Areínho de Oliveira do Douro. Um saco plástico, descíamos das Fontainhas à marginal, roupa dentro do saco, e depois era só nadar até à outra margem. Era para falar-vos de como na aldeia em vez das meias jogava-mos com bexigas de porco secas, mas o texto vai longo, pode ser que outro dia eu tenha disposição para contar como era. Ressalvo entretanto que aqui, no Porto e arredores nunca pontapeei nenhum Bexiga. Abraço.

Sem comentários: